Nos 100 anos do Manifesto do Surrealismo de André Breton, publica-se um conjunto de artigos sobre o movimento em França e em Portugal.
Todos os meses desde que se publicou o primeiro manifesto surrealista há cem anos, os jornais anunciaram a morte do movimento. Após refugiar-se na América, André Breton confessou, em 1942: “provavelmente ouviram dizer que o surrealismo morreu. Quando ainda vivia em França, prometi a mim mesmo que um dia mostraria em público tudo o que reuni de artigos de jornal sobre o tema: o surrealismo está arrumado. Seria bastante mordaz mostrar como [os jornais] se repetiram um após o outro depois da sua criação!”
Estas certidões de óbito recuam aos anos 30, quando as divergências no grupo levaram Antonin Artaud a declarar: “o surrealismo foi morto pelo sectarismo imbecil dos seus adeptos”. Nos anos 40, Barnett Newman afiançou: “Em Nova Iorque, já se admitiu que o surrealismo morreu”. Nos anos 50, Isidore Issou interrompia os eventos surrealistas em Paris, com o grito: “O surrealismo está morto!” Nos anos 60, Bataille queria escrever um livro que dissesse na capa O Surrealismo Está Morto e na contracapa Viva o Surrealismo. A insistência em pronunciar o morto revela um eterno redivivo, como defendia Maurice Blanchot, ao negar qualquer tentativa de aproximação histórica ao surrealismo, por ser menos movimento centralista do que uma dinâmica que rompe o próprio pensamento cronológico. “Terá o surrealismo desaparecido?”, interrogava Blanchot. “Já não está aqui nem ali: está em todo o lado. É um fantasma, uma assombração brilhante.”
(Do artigo “A última hora do surrealismo”, de Afonso Dias Ramos)